Oito meses após a operação da Polícia Civil que resultou em 28 mortos na favela do Jacarezinho, na zona norte carioca, 1,2 mil policiais (400 civis e 800 militares) voltaram a ocupar a comunidade na manhã desta quarta, 19. Foi a primeira ação do programa Cidade Integrada, que prevê a ocupação policial e social de comunidades pobres no Estado do Rio. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas em 2008, foram a tentativa mais famosa desse tipo de intervenção nas favelas do Rio de Janeiro.
Também na manhã de ontem ocorreu a segunda ação do mesmo programa: policiais ocuparam as comunidades da Muzema, Tijuquinha e Morro do Banco, zona oeste do Rio. Essas três áreas vizinhas são dominadas por milicianos, que invadem áreas de proteção ambiental, onde erguem prédios e vendem imóveis. Em abril de 2019, dois edifícios do tipo desabaram, matando 28 pessoas.
O Cidade Integrada prevê investigações da Polícia Civil para desestruturar quadrilhas e patrulhamento das comunidades pela PM. Também são prometidos investimentos em obras e ações sociais. Numa primeira etapa, mais quatro comunidades devem ser atendidas, entre elas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, entre Ipanema e Copacabana, na zona sul, e o complexo de favelas da Maré, na zona norte. Especialistas e moradores, porém, cobram mais detalhes sobre a iniciativa e o plano para não repetir os problemas das UPPs. O governador Cláudio Castro (PL) tenta se cacifar para a reeleição.
Prisões
No Jacarezinho, com 80 mil moradores e dominada pela facção Comando Vermelho, o cerco começou na noite desta terça, 18, por agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da Coordenadoria de Polícia Pacificadora e de batalhões da zona norte do Rio. Às 5h30, policiais civis se juntaram à operação. Dois veículos blindados (caveirões) e um helicóptero deram apoio.
Além da ocupação territorial, os policiais tentavam cumprir 42 ordens de prisão, treze de apreensão de adolescentes e ordem de busca e apreensão. Dois homens foram presos, mas nenhum deles estava entre os procurados. Um é acusado de assaltar um banco e tinha ordem de prisão pendente contra si. O outro foi preso por compartilhar pornografia infanto-juvenil. Foram prisões sem confronto, e não houve registro de troca de tiros.
Em contraste, a ação de 2021 no Jacarezinho foi a mais letal da história do Rio. Dos mortos, 27 eram civis. Segundo a Polícia Civil, foram abatidos em tiroteios. Mas há investigações do Ministério Público sobre supostas execuções de pessoas já rendidas e desarmadas.
"No ano passado os marginais ofereceram resistência e a Polícia Civil neutralizou 27 deles e prendeu outros", disse o delegado Felipe Curi, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada da Secretaria Estadual de Polícia Civi. "Desta vez pensaram duas vezes, tiveram medo e optaram por deixar a comunidade e não confrontar a polícia. Se oferecessem resistência, seriam neutralizados mais uma vez."
Os policiais civis saíram da favela por volta das 14h. Uma parte dos PMs também foi embora, mas outros ficaram. Segundo o governo, a ocupação não tem prazo para acabar.
O presidente da Associação de Moradores do Jacarezinho, Leonardo Pimentel, cobrou do governo mais informações sobre o projeto para a favela.
"Nossa comunidade é uma comunidade ordeira, é uma comunidade que vive se recuperando ainda da operação mais letal que teve na história da Polícia Civil do Estado do Rio. E a gente quer saber se a Vila Olímpica do Jacarezinho também entra nesses recursos; as escolas que o Jacarezinho precisa, em tempo integral, entram nesses recursos; se a Faetec que precisa funcionar aqui entram nesses recursos", disse ao jornal Voz das Comunidades.
Nas redes sociais, Castro comemorou a operação. "Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança."
Sem detalhes
A operação de ontem gerou uma polêmica entre o governo estadual e o prefeito Eduardo Paes (PSD). No Twitter, o prefeito disse ter sido avisado pelo governador, no fim da terça-feira, mas negou ter havido qualquer debate prévio sobre a operação.
"Saúdo a iniciativa do governo do Estado em implementar uma política pública de restabelecimento do poder do Estado em todas as áreas do nosso território. Tenham a certeza de que a prefeitura apoiará, como sempre, qualquer ação que traga melhorias para a população carioca. No entanto, não é verdade que tenha havido qualquer programação ou reuniões prévias com equipes da prefeitura a esse respeito."
O governador é um ex-vice pouco conhecido, que assumiu após o impeachment de Wilson Witzel (PSC) e agora tenta se cacifar à reeleição. Em maio, ele anunciou que reformularia o programa das UPPs. Lançado em dezembro de 2008, no governo Sérgio Cabral (2007-2014), esse programa começou no morro Santa Marta, em Botafogo (zona sul), e chegou a ter 38 unidades, com 9 mil Pms.
Após o início promissor, entrou em crise. O estopim foi o sumiço do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza. Em junho de 2013, ele foi detido por policiais da UPP da Rocinha, zona sul, torturado e morto. O corpo nunca foi achado.
Região da Muzema foi domínio do 'Capitão' Adriano
Cerca de cem policiais, entre civis e militares, ocuparam na manhã de ontem as favelas da Muzema, Tijuquinha e Morro do Banco, na zona oeste do Rio, na segunda operação do programa Cidade Integrada. A área da Muzema é dominada por uma milícia. Foi lá que, em abril de 2019, morreram 24 pessoas, no desabamento de dois prédios ilegais construídos e vendidos pelo bando. A prefeitura tem agido na região, derrubando imóveis que violam a legislação.
A Muzema era parte dos domínios de Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano. Morto em fevereiro de 2020 na Bahia por PMs locais, ele era apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como chefe da milícia na favela na zona oeste. Sabe-se que, além das construções ilegais, milicianos dominam o comércio de gás de botijão na região.
O objetivo da ação policial de ontem era combater o comércio ilegal de gás de cozinha, os crimes ambientais e as construções irregulares. Não havia ordens de prisão a serem cumpridas. Mas 33 pessoas foram detidas e conduzidas às delegacias da região, sob suspeitas diversas.
Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, cuja sede fica no Jacarezinho, afirmou que as UPPs não deram certo "porque não foi dada condição digna de trabalho aos policiais, porque armas e munições continuam entrando nas favelas".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.